A Síndrome de Ter Síndromes

19 de julho de 2011





Oi pessoas queridas. Segue um texto muito interessante pra vocês do Psicanalista Luis Felipe Moura, que colabora com nosso blog. Apreciem, aprendam e coloquem em prática.
Bjoo
Andressa

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Imagem: Gettyimages


A Síndrome de Ter Síndromes

     Vivemos hoje em dia um verdadeiro fordismo psicológico. A padronização deixou de ser exclusiva das linhas de produção industrial, e passou a ser encontrada nos psico-enlatados, na forma de artigos terapêuticos água com açúcar, livros de auto-ajuda entre outros.

     Se você espera encontrar uma resposta neste texto para alguma de suas angústias, afirmo que não é minha intenção me aproveitar disso para expor algum conhecimento que venha a nutrir a ilusão das respostas prontas. Pelo contrário, pretendo discorrer exatamente contra esse movimento. Porque toda vez, caro leitor, que alguém escreve tentando padronizar fenômenos psicológicos está desrespeitando a sua subjetividade.

     Hoje em dia temos livros para quem tem "síndrome de Cinderela", "síndrome de derrotado", "síndrome da mulher submissa", e tantos outros rótulos que podem oferecer alguma sensação de alívio por não se estar sozinho, mas que nada fazem para aliviar a angústia de um sofrimento psíquico. Nem a religião escapa dessa moda, pois hoje em dia tem-se a "síndrome de Jó", "síndrome de Jacó", e tantas outras mais.

     É hora de dar um basta em uma síndrome específica: A Síndrome de Ter Síndromes. Isto é, ao movimento de se rotular os sintomas, nivelando toda a complexidade da psique humana à superficialidade daquilo que parece mais ou menos explicar o incômodo.

Crônica de uma Síndrome Crônica

     Quero aqui expor alguns exemplos fictícios de como diferentes situações podem produzir um sintoma que pareça ter uma única causa. Imagine, para isso, que uma pessoa tenha pânico de entrar em elevadores. Ela sabe que tem "fobia de elevador", pois já foi devidamente instruída quanto a isso pelo primeiro diagnóstico que recebeu dos dois profissionais em quem mais confia: O Dr. Google e a terapeuta da estante de best-sellers de auto-ajuda de uma grande livraria.

     Diagnóstico na mão, ela lê livros sobre esse medo e fica fascinada com o "você pode vencer isso" de um famoso autor de auto-ajuda. Chega até a tentar dar alguns passos e encarar algumas viagens de elevador. Ela conversa na internet com pessoas que sofrem disso, entra para comunidades virtuais e procura ler o máximo que pode sobre o assunto e… nada parece ter um efeito duradouro! E pior, sua própria identidade já começa a se confundir com a da síndrome em questão.

     Em outras palavras, nada parece dar conta de seu sofrimento além de um certo ponto.

Um Sintoma, Diferentes Possibilidades

     Agora, imagine o caro leitor os seguintes cenários que, embora fictícios, são tão comuns que poderiam ser situações reais:

- Uma criança sempre que ouvia o barulho do elevador, pensava animadamente no pai que estava para chegar. Esse pai, todavia, começa a beber e, ao chegar em casa, espanca a mulher e os filhos.
- Uma criança abre a porta do elevador, e se depara com um casal de adolescentes semi-despidos, em situação de alto teor de sexualidade.
- Uma criança que estava voltando da casa de um vizinho fica presa sozinha no elevador por duas horas, durante um período de apagão.
- Uma criança tenta abrir a porta do elevador, e ouve da mãe de forma bem enfática: "Está louco, menino?! Você só pode entrar no elevador quando a mamãe estiver junto!"
- Uma criança passa vergonha ao não conseguir controlar seus esfíncteres e defeca/urina em um elevador, resultando em constrangimento visível da mãe junto a outros passageiros.
- Uma criança abre a porta do elevador no chamado dia de Halloween e se depara com alguém vestido de caveira, tomando um enorme susto.
- Uma criança vê o pai pela última vez entrando num elevador, e esse pai jamais regressa.
- Uma criança vai cedo demais à Torre do Terror na Disney, onde um elevador despenca, dando um grande susto nos turistas.
- Uma criança se assusta com um homem na rua. Depois, ao ir a uma consulta médica (algo desagradável), se depara com um ascensorista de feições semelhantes à do homem que a assustou.
- Uma criança fica presa em um lugar bastante fechado, e passa a ter sintoma de claustrofobia.
- Uma criança entra correndo num elevador, a porta se fecha e, ao sair, a criança acha que se perdeu dos pais.
- Uma criança ouve de um adulto com quem se identifica que esse tem muito medo de elevador, e sempre evita tal coisa.

       A lista poderia continuar de forma quase que interminável…

     Antes de mais nada, é bom esclarecer que não necessariamente essas histórias resultariam em fobia de elevadores. Mas, certamente é um desfecho possível para qualquer um dos exemplos ilustrativos supracitados. Uns por associação direta, outros por associação indireta. Uns por medo de apanhar, outros por questões relativas ao abandono, outros ainda por fantasias persecutórias, receio das consequências de se contrariar a autoridade parental, enfim, há uma infinitude de possibilidades, mesmo para um único e simples sintoma.

     Espero que tenha ficado visível para o leitor mesmo neste singelo exemplo o quão subjetiva é a psique humana, e como é difícil categorizar síndromes e sintomas. Se um simples sintoma de um medo bastante específico pode ter literalmente dezenas de diferentes causas, quem dirá sentimentos mais complexos como vazio, angústia, raiva aparentemente injustificada, depressão, etc.

Ouvir ou Ser Ouvido?

     Não será na base da literatura genérica que você resolverá as suas questões. Porque todos esses sintomas e dificuldades de vida têm uma história a contar. Mas, infelizmente, eles são calados pela mordaça dos enlatados psicológicos. Não é você que precisa ouvir conselhos genéricos. É o seu sintoma que precisa ser ouvido por você. O que ele está te dizendo sobre você mesmo?

     Alguns podem pensar: "Mas a literatura X me ajudou muito com a síndrome Y!"
Psico-enlatados podem até enganar, pelo poder da sugestão. Se você acredita piamente que algo irá funcionar, aquilo pode funcionar de fato. É o chamado efeito placebo. Porém, esse efeito não é duradouro. Isso sem falar no fato de que sintomas podem migrar. Um mesmo problema pode se manifestar através de diferentes sintomas, e se um sintoma é reprimido, outro pode aparecer para dar conta da mesma questão. E isso chega até a ser perigoso, pois quem pode prever que novo sintoma aparecerá? Portanto, não se pode dizer que essas obras trazem a verdade sobre o seu sintoma, porque a verdade é algo subjetivo e pessoal.

     No texto "À Procura da Verdade˜, da obra sobre "Associação Livre", o psicanalista Christopher Bollas afirma: "O que significa buscar a própria verdade? Só pode sempre significar a tentativa de representar conflitos inconscientes a fim de que o processo de representação em si possa começar (no mínimo) a executar a tarefa de autoliberação."

     Em suma: Você só irá se libertar de suas questões se encará-las como uma verdade pessoal, que surge a partir de uma história de vida. Você já se calou demais para ouvir terceiros sobre o que fazer para resolver problemas que podem ser semelhantes na superfície, mas que são muito íntimos em sua realidade. É hora de deixar de ouvir, para ser ouvido. Somente ouvindo a si próprio é possível descobrir a origem de suas próprias dificuldades como ser humano.
Por esta razão, dentre outras, é muito importante a busca de uma terapia analítica.

Luis Felipe Moura
Psicanalista




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Andressa Bragança