{Lua Cheia: Laurie Cabot}

12 de janeiro de 2017







A MÃE.

A lua cheia, quando o céu noturno está inundado de luz, é representada como a Deusa-Mãe, seu ventre inchado de nova vida. Bruxas e magos, em toda parte, sempre consideraram ser esse um tempo de grande poder. É um tempo que nos atrai para lugares sagrados, como as fontes e grutas escondidas que as mulheres neolíticas poderiam ter usado como seus lugares originais para dar à luz. Em seu fascinante estudo The Great Mother, Erich Neumann sugere: "O mais antigo recinto sagrado da era primordial era provavelmente aquele onde as mulheres davam à luz." Aí, as mulheres podiam recolher-se ao seio da Grande Mãe e, em privacidade e nas proximidades de água fresca e corrente, pariam em segurança e de maneira sagrada. E assim, até os dias de hoje, templos, igrejas, bosques sagrados e santuários têm uma quietude e uma qualidade uterinas que sugerem proteção e segurança em relação ao mundo dos homens, à guerra e às interrupções. Quando ingressamos nesses lugares de silêncio e calma, muitas vezes como que iluminados pela luz da lua cheia, sentimo-nos nascidos numa vida mais sagrada e mais próximos da fonte de toda vida.

No aspecto materno do plenilúnio, a Deusa da Caça também se torna a Rainha da Colheita, a Grande Mãe do Milho que derrama sua abundância por toda a Terra. Os romanos chamavam-na Ceres, de cujo nome derivou a palavra ”cereal''. É a mesma que a grega Deméter, um nome com posto de D, a letra feminina delta, e meter, ou "mãe". Na Ásia, ela era chamada "a porta do Misterioso Feminino ... a raiz donde brotaram o Céu e a Terra." Na América, ela era a Donzela do Milho, que trazia o milho para alimentar o povo. Em todas as suas manifestações, ela é a fonte de safras e de vegetação que se convertem em nossos alimentos. Quando ela vai embora nos meses de inverno – como Deméter procurando sua filha Kore no inferno – a terra fica estéril. Quando ela retorna na primavera, tudo reverdece uma vez mais.

Em muitas tradições do Oriente Médio, do Mediterrâneo e da antiga Europa, a Deusa-Mãe dá à luz um filho, um jovem caçador que, a seu tempo, converte-se em seu amante e cônjuge. Embora isso possa soar contraditório e incestuoso a ouvidos modernos, devemos ter em mente que, como "tipos míticos", todas as mulheres são mães para todos os homens e todos os homens são filhos adultos.

De acordo com muitas lendas antigas, o "jovem Deus deve morrer". Neste ponto, verificamos que o antigo mito e os costumes sociais se alinham. Como as mulheres eram vitais para a sobrevivência da tribo, pois só elas podiam parir e alimentar os recém-nascidos, a perigosa tarefa de espreitar, perseguir e matar animais selvagens passou a ser responsabilidade dos homens. Por volta de 7000 antes da era cristã, o Filho da Mãe Divina estava razoavelmente bem estabelecido nas lendas européias como um Deus Caçador, muitas vezes representado usando chifres. Havia razões estratégicas e  sacramentais para isso. Como ritual, o capacete ornado com chifres homenageava o espírito do animal e identificava o jovem caçador com o animal que ele esperava matar. Nos ritos religiosos que implicavam êxtase, uma pessoa converte-se no Deus ou Deusa que está sendo cultuado vestindo-se, falando e agindo como a deidade. Assim, ao usar os chifres e as galhadas, o caçador tornou-se o caçado em corpo, mente e espírito. Ele assemelhava-se à presa; pensava como a presa; consubstanciava o espírito de sua presa. Pensava-se que a identificação com o animal caçado assegurava uma caçada bem-sucedida.

Estrategicamente, o caçador envergava os próprios chifres e a pele do animal por segurança e para garantir o êxito da jornada. Ocultando suas formas e cheiro humanos, ele podia acercar-se do rebanho ou da manada sem espantar os animais.

Os índios americanos vestiam capas de pele de búfalo, completando-as com as cabeças e os chifres, a fim de se aproximarem de um búfalo, desde os mais recuados tempos até quase o final do século XIX. Tocaiar e matar um grande animal armado de chifres era perigoso. Muitos caçadores foram escornados ou atropelados até a morte. Em redor das fogueiras tribais, o caçador vitorioso era homenageado e recebia os chifres ou as galhadas do animal chacinado para usar como troféu de vitória e expressão de gratidão por parte da tribo, já que ele pusera sua vida em perigo. Com o tempo, o caçador filho da Grande Deusa passou a ser preiteado como um Deus Cornífero, e sua disposição para sacrificar a vida pelo bem da comunidade foi celebrada em canções e no ritual.

O caçador encontrou freqüentemente a morte nos mesesde inverno, a época da caça em que o pêlo é espesso e a carne é facilmente preservada no ar gelado. Esse drama da morte no inverno era também visto na natureza, quando o sol fica débil e pálido, tudo parece morto ou adormecido, e as longas noites invernais encorajavam os nossos ancestrais da Idade da Pedra a recolher-se à escuridão tépida de suas cavernas. Era a época do gelo e da morte. Joseph Campbell diz-nos em The Way o f th e Animal Powers que "o desaparecimento e reaparecimento anual das aves e dos animais selvagens também deve ter contribuído para esse sentimento de um mistério geral urdido pelo tempo", um mistério que faz todas as coisas terem seu tempo para morrer e renascer. Uma religião baseada nos ciclos da natureza faria disso uma verdade sagrada. Aqueles que seguiram essa religião puderam celebrar até a estação da morte, por saberem que a ela se seguiria uma estação de renascimento. Se o Filho deve morrer, ele renascerá, tal como o sol voltaria na primavera.

A Terra e a Mulher cuidam disso. Esses eram os mistérios da Grande Deusa-Mãe, o Grande Ventre da Terra.

Na Grã-Bretanha e na Europa do noroeste, no Ohio e no Mississípi e em muitas outras partes do globo, as lavouras neolíticas construíram grandes cômoros de terra. Segundo Sjoö e Mor, "o formato de colméia de tantos cômoros de terra neolíticos era intencional e simbólico. A apicultura era uma metáfora para a agricultura sedentária e para a pacífica abundância da terra nesses tempos. E a abelha era como a lua cheia, produzindo iluminação à noite." No formato dos seios pletóricos da Deusa do Leite, no formato da colméia governada pela Grande Abelha Rainha, os cômoros da terra eram frutos do esforço humano para inchar a superfície do solo de modo a assemelhar-se às colinas e montanhas que eram cultuadas como os seios e o ventre sagrados da Deusa. A metáfora da colméia recorda as histórias de "terras onde correm o leite e o mel" - o leite das mães, o mel dourado da Rainha. Da África e da Trácia chegam lendas de mulheres guerreiras que se alimentam de mel e leite de égua. Seja qual for a forma como o encontramos, todo nutrimento promana da Deusa da Terra e da Lua, e todas as mães são fortes por causa do poder que seus corpos encerram.

Quando traço um círculo mágico sob a lua cheia, eu puxo seu poder para baixo e para dentro do cálice de cristalina água da fonte que seguro em minhas mãos. Quando pouso meu olhar no cálice, vejo meu próprio rosto no reflexo prateado da lua.

Então, no momento certo, mergulho minha adaga ritual no cálice, fendendo a água, despedaçando a imagem da lua em muitos fragmentos menores, como estilhas de cristal.

Lentamente, deliciosamente, bebo o poder e a energia da lua.

Sinto-a deslizar pela minha garganta, até retinir e formigar por meu corpo todo. A Deusa está então dentro de mim. Eu engoli a lua.
Quando as Bruxas colocam seus pés e mãos num tanque, lago ou qualquer poça de água sob a lua cheia, elas sorvem o poder refletido da lua através dos dedos das mãos e dos pés.

Atraímos sua energia para os nossos corpos quando nadamos ao luar. Os antigos rituais exigiam o cozimento de poções sob uma lua cheia, para que a própria luz da Deusa pudesse ser mexida na infusão. Mesmo dentro de casa, nos frios invernos da Nova Inglaterra, reunindo-se em meu living em torno da lareira, o meu grupo de bruxas traz o formato da lua cheia para a nossa presença ao dispor-se num círculo. Ou uma única vela refletida no cálice ajuda-nos a imaginar a lua, pois toda luz refletida participa da própria natureza da lua, projetando um fulgor mágico em que coisas invisíveis ou ocultas podem ser vistas.

---
Fonte:
O Poder da Bruxa - Laurie Cabot




0 Comentários

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Obrigada pelo Comentário. Responderei assim que possível.
Andressa Bragança